Donnerstag, 23. Mai 2013


A dOCUMENTA(13)


“A dança foi frenética, animada, irritante, giratória, torta e demorava um tempão”. (1)

Em junho de 2012 tive a oportunidade de visitar a dOCUMENTA(13), em Kassel. A dOCUMENTA(13) é considerada da maior importância porque acontece só a cada cinco anos e visa ser uma mostra de Arte Contemporânea internacional. Ela acontece por 100 dias na cidade de Kassel, Alemanha, nesta vez convidando quase 200 artistas do mundo inteiro, com 35 lugares de exposição só dentro da cidade de Kassel, acontecendo diariamente até 20 performances e tendo chegado a um teto de mais de 800 000 visitantes, só para citar alguns números. Diferentemente das bienais, ela excede as fronteiras nacionais e se encontra com artistas do mundo inteiro para apresentar a diversidade de formas da expressão artística. Especialmente nesta edição, a dOCUMENTA(13) considera as diferentes temporalidades em que vivem os diversos povos da terra, dando espaço para muitos grupos e minorias. Ela representa a cultura ocidental com as suas pesquisas e sua sofisticação de suporte, mas também realça uma fusão entre técnica, tecnologia, conhecimento e aprendizagem com as culturas não ocidentais. Ela tem um espirito amplamente integrativo da arte com as outras disciplinas como as ciências (arqueologia, astronomia, zoologia, ecologia, economia, química, física, medicina), música e literatura.
As ciências têm dupla função nesta mostra. Como criadores de modelos de conhecimento, que dependem das imagens e dos efeitos estéticos, necessitando de elementos mensuráveis, e como criadores de um pensamento, que precisa sempre se auto contrariar.
A mostra se aventura a juntar estas esferas separadas: a irracionalidade com a racionalidade, os espíritos com o espírito, a poesia com a politica.
(1): www.dokumenta13.de inicio da primeira pagina


As Linguagens
Abrangendo as linguagens clássicas como a escultura, a instalação, a performance, a pesquisa, a pintura, a fotografia, o filme, bem como linguagens novas como textos e trabalhos baseados no áudio, assim como outros experimentos no campo da estética, arte, política, literatura, ciência e ecologia. A hibridação causada pela convergência dos meios como cinema, vídeo e instalação, cinema expandido, vídeo instalações que se somam às ações performáticas, resulta em ambientes especiais, de maior impacto ao espectador. Nisto se inclui recentes estudos sobre a ‘gameficação’ da arte, dos processos generativos e de mídias locativas. Lá também estão representadas pesquisas sobre o futuro da net ou da web art,  cuja incidência pleiteia dos meios computacionais a criação artística.



O Tema
Esta 13ª edição da dOCUMENTA  tem como tema principal ”colapso e recuperação”.
Mesmo com a Curadora Carolyn Cristov-Bakargiev dizendo”..eu não tenho conceito..”,(2), se mostram  conceitos centrais como a ecologia e a sustentabilidade. Associa a Arte à Natureza, sugerindo que Arte é Natureza. Os contextos e poéticas apelam a dimensões mais humanísticas. Carolyn Cristov-Bakargiev se refere muito a Beuys, um nome consagrado em outras edições da dOCUMENTA(13), e dá um passo adiante derrubando barreiras intelectuais e abrindo novas perspectivas mostrando a extensão das possibilidades do mundo artístico contemporâneo.
Para a curadora, a dOCUMENTA(13)é uma forma de pesquisa e dedicação a materiais. Sua disposição intuitiva corresponde à dos artistas com os quais ela colabora. Desta forma a documenta virou um palco no qual ideias sobre a vida estão sendo questionadas.




 “A dOCUMENTA(13)dedica-se à pesquisa artística e às formas da imaginação, engajamento, matéria, coisas, incorporações para descobrir o vivo ativo; isso acontece em conexão com a teoria, sem se subordinar a ela. São ares onde o político está inseparável de um pacto sensual energético e voltado ao mundo entre a pesquisa atual nos variados campos científicos e artísticos e outras descobertas, tanto históricas como contemporâneas. Esta edição está motivada por uma visão holística, não logocêntrica, na qual a crença no crescimento econômico está sendo minada. Esta visão compartilha e respeita as formas e as práticas do saber de todos os produtores, vivos e não vivos, do mundo, incluindo o homem.”  (Carolyn Christov-Bakargiev, curadora da dOCUMENTA(13).(3)
Especialmente este último ponto gerou muita polemica, com a valorização dos animais como seres, simbolicamente o cão, para o qual havia obras como o playground canino, ou o habitat de dois cães de Pierre Huyghe. A intenção disso era ampliar o olhar das pessoas, criar novas perspectivas para todas as criaturas vivas do mundo, dando a chance de adotar o ponto de vista dos não seres humanos, ‘expandindo’ mais uma vez ‘o mundo da arte’.


Os lugares
Também aqui o entendimento de “localidade” de uma mostra, o significado de local, que faz todo sentido nestes tempos da globalização, está sendo expandido. A dOCUMENTA(13)  vira um grande dispositivo. Ao lado dos lugares principais tradicionais da documenta em Kassel, o Fridricianeum, o hall da documenta, a galeria nova – os espaços museais e os “White cubes” – a documenta13 também acontece numa variedade de outros espaços que representam diferentes áreas e realidades físicas, psicológicas, históricas e culturais. Ela acontece em espaços que estão dedicados à historia da natureza e da técnica, como o Ottoneum e a Orangerie.
Neste contexto, fora dos salões está o parque “Karlsaue “, de grande importância. Para a dOCUMENTA(13), foram colocadas mais de 30 pequenas casas de madeira com trabalhos artísticos, com um acesso não tão fácil como o da sala de um museu com as obras lado a lado.  No parque o espectador tem que “conquistar”, “achar” a arte. Ele tem que desacelerar e “estar no aqui e agora”, ligado ao seu redor, porque a arte pode estar escondida em qualquer lugar... No parque parece que se unem a natureza, a arte e a realidade da vida.

(3) The Guidebook, Catalog 3/3 da dOCUMENTA(13), Hatje Cantz Editora Alemanha 2012




Um contraponto ao parque foi composto pelos espaços industriais atrás da antiga estação de trem, que hoje só esta sendo usada para o transporte regional. Um espaço diatópico, conectado com o mundo das fábricas que produziram, no século 20, tanques de guerra para o regime nacional-socialista. A mostra também acontece num grande número de espaços “civis” de variadas localizações, longe dos lugares principais - Espaços que ainda estão sendo usado e também lugares que caíram no esquecimento com o tempo e que, por fim, acabaram sendo “retirados”.
Neste sentido, a dOCUMENTA(13) coloca em prática uma mudança “espacial” ou, mais concretamente, um “local referente”, através do realce do significado do local físico, mas que ao mesmo tempo mira o deslocamento e a criação de outras perspectivas parciais – a exploração de micro-histórias em escalas variáveis, que conectam a história e a realidade local com o mundo.

Todavia, a proposta é ainda bem mais ampla. A dOCUMENTA(13)  se concretizou em quatro lugares do mundo paralelamente, quase como em homenagem ao tempo da globalização. Ela acontece em Kassel, Alemanha; Kabul, Afganistão; Kairo, Egito e Banff, Canadá.
Em especial, a conexão entre Kassel e Kabul parece uma ideia cheia de sentido. Kassel foi, na segunda guerra mundial, centro da indústria de guerra, sendo por isso mesmo, lugar de terrível destruição. Mas depois, também impulsionada pela criação da documenta, tornou-se um lugar símbolo da força da arte contemporânea. Kabul é um lugar de grande cultura e história e, similarmente a Kassel, meio século depois foi amplamente destruída. Diferentemente de Kassel, Kabul provavelmente não vai voltar tão cedo a uma normalidade. E especialmente aí é importante que a arte coloque sinais, a possível cura através da arte.
Uma obra que ilustra bem este tema do “site”, e de forma mais prática, é o trabalho de Theaster Gates(*1973 em Chicago).
Em Chicago ele fundou a “Rebuild Foundation”, renovando casas e aproveitando material de demolição para fazer esculturas e móveis.
Para a dOCUMENTA(13), ele ocupa uma casa abandonada desde 1970, em Kassel, a casa dos Hugenottes. Com a ajuda de desempregados de Chicago, que participam em um programa profissionalizante, ele recupera esta casa com material de casas em demolição de Chicago e de Kassel. Conectando assim dois lugares de continentes diferentes, recuperando uma coisa destruída com a inclusão de outra coisa destruída. A casa reconstruída e revitalizada vira laboratório para objetos, performances, discussões, banquetes e instalações, querendo deslocar o limite do trabalho e da produção criando espaço para o outro. Assim, com este projeto, se propõe a conseguir uma cura metamórfica desta casa.
A obra vira uma “escultura social”. Ele tira tetos e abre espaços como Gordon Matta Clark. A casa vira obra de arte, lugar de encontro, de acontecimentos. Ela volta a viver.
Na casa se mistura a vida normal com a arte, a fronteira entre o privado e o publico se desmancha. A casa vira palco para a invenção de uma nova sociedade.



A Curadora
Em entrevistas, a curadora Carolyn Cristov- Bakargiev recua a importância dela mesma como curadora dizendo  “...só regulo o trânsito..”como fala em uma entrevista com a televisão alemã (4) e dando muita liberdade ao artista na realização de sua obra para a documenta, se inserindo em uma nova tendência do mundo da arte. O informativo oficial da dOCUMENTA(13) disse sobre ela:

(4) Entrevista para: ttt-extra, do canal de televisão Alemã ARD do dia 10 de junho de 2012


O interesse da escritora e curadora Carolyn Cristov-Bakargiev é a arte contemporânea e sua relação com a vanguarda histórica, especialmente a arte povera e seu diálogo com a arte no mundo inteiro. Cristov-Bakargiev conecta ambição política com a reclamação, ao garantir novas possibilidades de desdobramento da expressão pessoal e abrir o espaço poético. Ela representa um ceticismo fundamental contra ideias e dogmas pré-fabricados. De 1999 á 2001 ela foi curadora sênior no P.S.1 Contemporary Art Center, uma filial do MoMA, em Nova York. De 2002 á 2008 ela foi curadora chefe no Castello diRivoli em Turin, o qual ela, em 2009, também dirigiu como diretora. Além disso, trabalhou em 2005 como co-curadora na primeira trienal de Turin e, no ano de 2008, como dirigente artística na 16° bienal de Sydney, “revolution- forms that turn”.
Na dOCUMENTA(13), Carolyn Cristov-Bakargiev está sendo assistida por um grupo de agentes e conselheiros provenientes de variados campos profissionais, como a diretora de departamento Chus Martinez, assim como por Donna Haraway , Pierre Huyghe, Michael Taussig, Anton Zeilinger, Raimundas Malasauskas, Marta Kuzma, Andrea Viliani, Kitty Scott, Ayreen Anastas e Rene Gabri, entre outros.



A história
A primeira documenta, realizada em 1955, fui idealizada por Arnold Bode com a ideia de se engajar para a aceitação da arte moderna e para mostrar a capacidade no campo da arte como contraponto ao socialismo (Kassel estava situada a poucos quilômetros de distância da antiga fronteira com a Alemanha socialista). Assunto principal foi também a reparação cultural depois do regime nacional-socialista. Os artistas que foram difamados como “degenerados” pelo regime nacional-socialista foram reabilitados, valores ajustados e recuperados.
A cidade de Kassel foi alvo de muita destruição na 2ª Guerra Mundial em função da existência de fábricas de armas e tanques. Todavia, os edifícios grandes representativos ficaram. Na reconstrução da Alemanha, Kassel virou um exemplo símbolo de uma cidade moderna, planejada. Tornou-se assim uma moldura e uma infraestrutura perfeita para um evento ambicioso como esse.





O ”BRAIN”
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É um espaço, no coração do Fridricaneum, que funciona como um mini -quebra cabeça de uma exposição. Aqui todas as linhas de pensamento da dOCUMENTA(13)se amarram.  Um espaço associativo, no lugar de um conceito. Ele contém “coisas” desde as “princesas bactrianas”, estátuas femininas provenientes da cultura do terceiro milênio antes de Cristo da Ásia central, objetos tão pequenos que talvez por isso sobreviveram até hoje e não foram destruídos, ao contrário dos Budas de Bamiyan; uma coleção de objetos do banheiro do apartamento de Hitler; uma seleção de vários objetos de Man Ray: “objetos a destruir/ objetos indestrutíveis”; o primeiro computador de Konrad Zuse; as fotografias de um projeto de capturar neblina no deserto de Atacama, de HoracioLarrain Barros; e muito mais.
A “coisa” é um ponto central da dOCUMENTA(13): a presença, a experiência de formas que se negam à interpretação. Exatamente por isso ela estimula a imaginação, a discussão. “Coisa”, pelo menos na raiz linguística da língua alemã e inglês, tem também o significado de reunião, como explica o filósofo Heidegger.
A coisa, o objeto como depósito de informação, como gerenciador de comunicação e como antídoto a um capitalismo globalizado, onipresente e sem lugar fixo, que opera com valores fictícios.
A relação do ser humano com as “coisas” é muito complexa. De um lado, o ser humano faz do seu corpo uma coisa, produto de design através da cirurgia plástica, e os cientistas  vêm nele um monte de células, um objeto sem alma.
Por outro lado, as coisas ganham alma, computadores falam, celulares querem carinho. Tudo isso está sendo realçado aqui na dOCUMENTA(13); parece que tudo tem alma agora. O pensamento lógico, um pensamento em causa e efeito, perde significância. O intuitivo vira conceito, como é explicitamente declarado pela curadora.



Artistas e obras selecionados
Agora, quando finalmente se entra no primeiro salão da documenta, muda tudo; estes números e fatos deixam a se esperar um mega- show, mas, ao se entrar não há nada. Todo mundo anda por uma sala gigante à procura da arte, mas esta mostra começa com a arte invisível. Numa pequena sala de lado há uma instalação de áudio da Ceal Floyer (*1968), do Pakistão - um áudio, uma musica, repetindo a frase “I´ll just keep on...´Till I get it right” (‘Eu vou simplesmente continuar... até conseguir’) - ecoando como slogan da documenta. A artista está pesquisando a dialética entre o literal e o banal - disse o Guidebook. A mesma artista também abriu a documenta com a “nail-biting performance”; na qual a artista assume o papel de uma atora nervosa, que está roendo as unhas na frente do microfone; que se tornou simbólica para a nova sensibilidade e para a “humanização” desta mostra.
 Saindo desta sala já em estado de alerta, o visitante sente que tem uma coisa neste grande vazio. É um vento, mesmo com as janelas fechadas. Trata-se, então, de um vento artificial. A arte é o vento, também invisível. Só é possível sentir esta obra de Ryan Gander (*1976,Great Britan): “I need some meaning I can memorize – The invisible pull, 2012”(Preciso de algum significado que eu possa memorizar – O impulso invisível, 2012).   Ele sonha com uma arte invisível que mesmo assim toca e arrebata o visitante. Isso é simbólico para esta dOCUMENTA(13), que mostra em geral um tipo de arte mais silenciosa, como que esperando que uma força silenciosa nos transforme.
Há variadas obras invisíveis, como o áudio “para mil anos” de Janet Cardiff(1957) e George BuresMiller(*1960), no qual mais de 30 autofalantes escondidos no mato do parque emitem o som de cavaleiros, vento e tempestade, risadas e conversas, depois o som ameaçador de metralhadoras e a detonação de bombas. Um som intenso que se movimenta pela clareira deixa o auditório tocado pelo som da guerra. No final, o coral “nunc dimittis” de ArvoPaert fecha pacificamente o espetáculo.
Havia tantos artistas que aqui é possível mencionar apenas alguns, numa escolha subjetiva, simplesmente os de que gostei mais ou os que me tocaram mais.
Mas primeiro, como filtro de pesquisa objetiva, fui verificar a lista dos artistas representados nesta mostra, por idade, para visualizar as raízes, as referências da documenta 13. O que chamou a atenção foi a escolha de artistas não tão conhecidos, mas com obras com os mesmos temas de seus colegas famosos. Como, por exemplo, a Hannah Ryggen (1894- 1970), da Noruega, que expôs seus tapetes com imagens críticas ao fascismo, colocando a vida em risco, nas mesmas mostras como a de Picasso.
Ou as obras de Marc Lombardi (1951-2000), as ”Narrative Structure”, pesquisando com seu trabalhou a rede da corrupção que conecta a politica e a indústria. Ele morreu no ano 2000, em circunstâncias misteriosas.
Gostei muito das fotos da Lee Miller (1907-1977) dentro da banheira do apartamento de Hitler em Munique, que se encaixam bem num dos temas centrais da documenta: “o trauma e a arte de curar”.
Também as obras de Konrad Zuse (1916-1995), da Alemanha; que inventou o primeiro computador, mas que também era artista autodidata; com suas pinturas no estilo influenciado por Feininger. Mostra, com elas, a complexidade do ser humano e a possibilidade de várias disciplinas reunidas e praticadas por uma pessoa.
Antoni Cumella(1913-1985), da Espanha, com sua resistência a um conceito de “uma arte do seu tempo”.
Charlotte Salomon(1917-1943), da Alemanha, com uma obra muito original, uma mistura de história política e lembranças pessoais, do público e do privado, com foco nas experiências das mulheres.
Vann Nath (1946-2011), do Camboja, que pintou a história da sua vida marcada por tortura e destruição nos tempos do Khmer Vermelho.
Emily Carr(1871-1945), do Canadá, como Ícone da arte canadense apresentou temas sobre a relação dos índios com a modernidade.
Doreen Reid Nakamarra (1950-2009), da Austrália, que era Símbolo da arte dos Aborígenes da Austrália.
A brasileira Maria Martins (1894-1973), representada com um conjunto de esculturas, uma referência da Arte no Brasil.
Gustav Metzger (*1926), da Alemanha, que ficou conhecido com suas obras que se autoconstroem e se autodestroem.
Todos pouco conhecidos internacionalmente, mas de fundamental importância. Como querendo escrever outra genealogia da arte contemporânea, uma seleção dos artistas mais sutis, das mulheres, das minorias.



Na parte dos artistas contemporâneos que mais chamaram minha atenção, quero começar por Pierre Huyghe, da França, com seu trabalho “Untilled” (“Sem Cultivo”), de 2012, na área da compostagem do parque Karlsaue.
Acima, desenho do artista, apresentado no “Guidebook” da dOCUMENTA(13), acompanhando a descrição de seu trabalho no parque. O desenho ilustra bem, quase como um mapa, a obra. É um pedaço da área da compostagem do parque, que Huyghe transformou. Em seu trabalho há elementos e espaços de diferentes tempos da historia colocados lado a lado, sem organização ou sinal de origem. Na composição, as transações e as transformações acontecem sem roteiro. Ele plantou mudas de diferentes plantas, entre elas umas consideradas ilegais, como a marijuana e o ópio. No meio disso há uma escultura clássica, um corpo feminino estendido na lama, a cabeça está escondida por uma colmeia de abelhas. Um cão fluorescente roda o terreno. Neste teatro na natureza se trata do colapso de uma visão normal do mundo, de embriaguez, transformação e caos dos sentidos.
 E, continuando com as palavras do próprio artista (6): ...”O homem se movimenta pelo dia como uma máquina. Revitaliza a morte com uma infinita repetição da vida. 1945. Um cão fluorescente desmama seus filhotes na sombra de placas de concreto. Um carvalho de Beuys foi desenraizado. Mirmecocoria acontece, formigas espalham suas sementes. Os cegos esmagam-nas. Não há cor, nem cheiro. Mesmo quando jogadas no contexto eterno... onde seu braço a protegia do sol, elas lá se estabeleciam. É infindável, incessante.”
Isso é ilustrado pelas palavras de Vitoria Daniela Bousso (7): “Eis um exemplo da influência do Surrealismo na arte contemporânea. Uma espécie de "retorno", como diria Agambem, uma deambulação que ao invés de caminhar para frente resulta em um passo suspenso, onde as coisas parecem fora de lugar por meio de um non-sense. Neste aparente movimento de olhar para trás, o artista desloca a cronologia em busca de uma temporalidade outra, para dar lugar àquilo que sempre esteve fora de lugar, mas hoje nos escapa: o profano e o  interdito manifestam-se por uma opção de construir a linguagem a partir da presença de entes viventes, os quais, em sua condição povera, parecem querer se  opor a algo extremo, inapreensível. Algo da ordem do intangível, como se o artista quisesse interceptar e propor regulação a uma espécie de potência destrambelhada. Huyghe apreende o seu tempo e consegue entrever as suas brumas de maneira surpreendente. E ao suspender o tempo, em prol dos processos de subjetivação, é como se quisesse reagir a uma espécie de cegueira, para entrever luzes no escuro.”


(6): Guidebook, catalog da dokumenta13, Hatje Cantz editora, Alemanha 2012

(7): Vitoria Daniela Bousso (7), crítica de Artes Visuais e curadora, em parte de um texto publicado em 20.08.2012 no www.diarioliberdade.org :

Outro trabalho muito atual é o de Claire Pentecoust, exposto no Ottoneum, o museu das ciências da natureza, que abriga para a dOCUMENTA(13) obras e projetos sobre a questão das sementes e da produção de solo, vida, alimentos, arte, histórias, interação e “estar no mundo”.
Claire Pentecost (*1956 em Atlanta, USA) usa várias estratégias: cooperação, pesquisa, ensino, estudo de campo, escritas, palestras, desenhos, instalações e fotografia para a pesquisa corrente das estruturas institucionais que controlam e organizam os conhecimentos. Ela é ativista contra a indústria multinacional das sementes geneticamente manipuladas e procura estruturas alternativas. Para a dOCUMENTA(13) ela desenvolveu um conjunto de trabalhos sob o titulo: “ when you step inside, you see that it is filled with seeds” (ao entrar, você nota que o espaço está cheio de sementes).
O trabalho principal, “soil-erg”, de 2012, tem como ponto de partida as sementes. Pentecost entende a semente como o “mais antigo esquema de saberes de fonte aberta da historia”.
Ela apresenta um novo esquema de valores, com base no solo fértil. O “SOIL-ERG”, um valor que cada um pode produzir através da compostagem. Na exposição, ela apresenta o produto final da compostagem prensada em forma de barras de ouro, o símbolo do valor da sociedade atual (foto acima). Mas estas barras estão frágeis, se recusam a ser transportadas pelo mundo; como o solo, que é por principio conectado com o lugar; e que desenvolvem seu maior potencial quando estão sendo tratadas dentro do seu contexto específico.
Na cédula do “SOIL-ERG” elaborado por ela, estão representados seres que participam necessariamente da manutenção da vida.
No jardim na frente do Ottoneum ela coloca as ideias em prática com uma versão de jardins verticais para lugares com falta de espaço e apresenta, em colaboração com a Universidade de Kassel, um esquema de compostagem com minhocas.
Embaixo um foto da horta vertical proposta por ela.




Uma instalação que me impressionou muito no local foi “In Search of Vanished Blood” (Procurando Sangue Desaparecido), de 2012, de Nalini Malani (*1946, Paquistão), da Índia.
O trabalho consiste num vídeo de 6 canais, teatro de sombra e 4 refletores, todos atuando juntamente com cinco cilindros gigantes pintados, pendurados no teto, e que giram a um som alto e bizarro.
Entrando na sala grande, as projeções tomam conta das pessoas. Elas viram parte da superfície de reflexão de uma colagem dramática. Múltiplas associações estão possíveis neste mundo flutuante de encontro e separação de imagens e palavras, o observador se sente quase no meio de um cérebro que está sonhando.
Nada é explícito, mas muito é tocado. A artista trabalha principalmente com temas femininos, como a situação da mulher na sociedade da Índia.
Nalini Malani excede as fronteiras da pintura. Ela usa suportes transparentes. Com a utilização da técnica de pintura em vidro, o trabalho é reverso. O ultimo detalhe da figura, os olhos, o lápis, são os primeiros a ser pintados. Com uma imensa riqueza de detalhes, o processo de trabalho dela torna quase impossível conseguir uma impressão geral da sua pintura, pois ela nos puxa para dentro do mundo dela, nos animando a mergulhar ainda mais profundo nestes espaços e descobrir mais camadas mais atrás de todas estas imagens. Neste mundo líquido nada se mantém fixo, tudo está em extensão, num estado de contínua metamorfose e transformação.


Outro trabalho dando voz aos temas femininos e à mística é o trabalho da Chiara Fumai (*1978)da Itália.
No parque da Karlaue ela montou a “casa de exposição moralista”, um cenário para performances. A casa parece como a resposta feminista à casa da bruxa dos irmãos Grimm, que viveram em Kassel. Neste cenário ela conecta livros filosóficos de Hegel com a história do espiritualismo e ocultismo com as propostas do grupo radical-feminista Rivolta Femminile, da Roma dos anos ´70. Na performance “Shut up. Actually, Talk”, de 2012, ela assume a personagem da Zulumma Agra,  uma sensação anormal dos espetáculos  do século 19. Hoje “liberada” e de obsessão demoníaca, fala através da artista e a personagem da Anie Jones, a mulher com barba do século 19, que também usa a Artista como “médium”. Na sua época, as duas mulheres foram expostas como objetos em museus. Para a artista, uma bruxa e uma feminista têm muitas coisas em comum. A Artista cria sempre novos cenários. Ela entra em outras personagens e gera novos mitos para tirar a mascara dos velhos mitos. Ela disse que se interessa muito mais pela ficção do que pelo documentário. Com seu talento para a encenação, as performances em sua “casa da bruxa“ são muito intensas. Os visitantes podem entrar para a Seance só um por um. Eles precisam de coragem. Trata-se de um encontro muito pessoal.

Num canto completamente diferente, e também no sentido de sua localização aqui na dOCUMENTA(13), está situado o trabalho de Rabih Mroué (* 1967), de Beirute. O trabalho dele para a documenta, a “Pixelated Revolution”, de 2012, é uma espetacular forma de documentação sobre o “morrer” no interior da revolução que ocorre na Síria: A vítima, ela mesma, é a pessoa que filma com seu próprio celular os tiros que a atingem.
O governo da Síria não quer que imagens e informações saiam do país. “Quem filma na Síria, está sob perigo de morte” disse o artista libanês Rabih Mroué (8) Para ele, a reencenação é um meio para gerar uma distância, porque os vídeos testemunham grande violência, mesmo não mostrando sangue e mortos. Se sabe que está se tratando de “double-shooting”: o contato de olho entre a pessoa com a câmera e o atirador, e depois se escuta um tiro, que atingiu o celular. Não sabemos se a pessoa que filmou foi ferida, morta ou salva. O fato de o celular ter caído no chão já é expressão de grande violência. 
 Está havendo também guerra contra imagens. O regime da Síria quer evitar a todo custo que circule informação de fontes que não estão sendo controladas por ele. Por isso tem se 
atirado contra jornalistas profissionais que estão documentando os acontecimentos. Além disso, jornalistas têm sido perseguidos e expulsos. Este regime está com medo demais das medias e das imagens.” 

(8) Mroué em uma entrevista com Sigrid Brinkmann para a Radio Alemã “Kultur!” em agosto de 2012
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 Os vídeos reinterpretados, como também o material original, que mostro nas minhas performances e na minha exposição na documenta13, deixa impossível se identificar com um dos lados: nem com o atirador nem com a vítima. É muito interessante analisar os vídeos e desfazê-los em partes. Eu uso o material das imagens para descobrir algo sobre a relação entre imagem, cópia e morte. É impressionante observar que o regime da síria manda atirar contra cada câmera e cada celular com o qual se está fotografando , filmando ou gravando som. Ele quer remover imagens e deixá-las desaparecer. Vimos vídeos nos quais se vê pessoas circulando normalmente. De repente, alguém do pessoal da segurança avista alguém na multidão, que está filmando com o celular, e imediatamente aponta sua arma na direção de tal pessoa que está filmando e atira. Talvez ele a tenha matado.
A percepção é que o celular se transforma numa parte, num prolongamento do corpo, como que no lugar do olho, à frente da gente, como uma arma. O artista, em seu trabalho “Pixelated Revolution”, pesquisa este tipo de encontro, onde o rosto ampliado do assassino torna-se irreconhecível pela insuficiência de pixels. Ele analisa e transforma os filmes de celular de manifestantes da Síria. Num filme ele pergunta – “porque o olho e a câmera vêm o que o intelecto não consegue entender, a chegada imediata da própria morte?”. Ampliadas, as imagens do celular ficam desfocadas, como uma pintura abstrata.
Na instalação há também uma mesa com um cinema de dedo para folhear, mas, ao fazer isso, o dedo do observador fica manchado de azul; será que sai a tinta? Você também foi atingido, você é testemunho, incapaz, mas envolvido. Saí bem mexida desta sala...
São tantos os artistas que eu gostaria de mencionar e pesquisar mais profundamente, só que isso excederia o espaço deste ensaio. Espero, todavia, ter despertado a curiosidade do leitor e conseguido passar uma imagem boa dos artistas representados.



O Programa Complementar
No Programa Complementar intitulado “Talvez Mediação”, este „talvez“ quer expressar uma certa flexibilidade sobre as diversas formas como o conhecimento pode se manifestar: em matéria, em palavras, em experiência e na vida. „Talvez“ como resistência a uma ideologia que procura uma produção eficaz de certezas e administração de conhecimento, querendo aumentar a tensão que mantém o estado de imaginação, que faz habitável o mundo das possibilidades, tenções que surgem das forças opostas da afirmação radical e do não saber. “Talvez” para mostrar uma postura de ceticismo, uma forma de questionamento, que não julga por enquanto, para abrir desta forma caminhos nos quais experiências inesperadas podem desdobrar significados.
Dentro deste programa se incluem:
-  “dTOURS“ –  tours guiados por guias treinados
- “Studiod13“ – oficinas para crianças poderem explorar materiais de forma lúdica
- “Palestras, Debates e Congressos”
- “Eventos Especiais e Atividades“
- Projetos de arte que convidam o espectador à participação
- Filmes



Minhas Avaliações
É preciso disposição para ver e encontrar a arte. É necessário preparo físico e tempo para realmente perceber e aproveitar a exposição que se desdobra em camadas. É difícil compreendê-la em toda sua complexidade. Ter tempo para reflexão, com o ajuntamento de todas as partes do todo, é necessário.
Até hoje ainda se abrem para mim novos aspectos, me relembrando e me levando a perceber as obras visitadas no contexto contemporâneo.
Estão sendo desmontados alguns jargões que se constituíram em estatuto da arte nos últimos tempos, como a noção da qualidade, o projeto apriorístico, o embate entre formalismo e não formalismo, harmonia e diálogo entre obras, suportes e a reduzida utilização da alta tecnologia.
A dOCUMENTA(13) apresentava “colapso e recuperação” como tema central, um tema muito atual, que fala não só do colapso do mercado financeiro, mas também do colapso dos ecossistemas, da sociedade. Como a curadora mesma disse, não dá mais, hoje em dia, para fazer arte pela arte. A arte tem uma missão. E esta missão é possível ser sentida aqui na dOCUMENTA(13). Aqui a arte quer tocar as pessoas, mexer com elas e iniciar um processo de transformação. Bem no sentido da arte contemporânea, da arte relacional. Ela quer tocar todas as pessoas. Acho que até por isso traz consigo um espectro tão grande de artistas e formas de arte: uma linguagem para todas as línguas. Mas todas falam a mesma coisa: não podemos continuar como até agora; o ser humano tem que se sensibilizar para a terra, os outros seres, a natureza, os outros seres humanos e para si mesmo, se quer sobreviver. É hora de se questionar todos os caminhos andados até agora e, talvez com a mediação da arte, juntar todas as disciplinas, ouvir todas as vozes, para encontrar uma nova direção.

Muitas obras chamam a atenção para a necessidade de se ter mais sensibilidade. A arte anda no limite do real. Assim, mais alerta, o visitante começa a ver o mundo normal em volta de si também com outros olhos e, talvez, comece a ver os absurdos do mundo real. Desta forma estaria sendo cumprida boa parte da missão da dOCUMENTA(13).
É exatamente neste sentido o alvo da maior parte das críticas à dOCUMENTA(13). “Querendo agradar todo mundo”, “pegar a onda do momento”,  “não ser consequente”,  “silenciosa demais”, “perdido no mato” e outras afirmações parecidas estão entre as críticas... Pessoalmente, acho que numa mostra deste tamanho sempre tem coisas que agradam e desagradam. Tudo depende de para onde você olha. Como na vida real, pode-se ver a vida como uma guerra ou como uma celebração.
Para mim esta mostra foi um grande sucesso, porque me tocou, mexeu, provocou e está até hoje me seduzindo a aprofundar minha pesquisa nos temas  e obras colocadas por ela. É realmente como um grande e complexo dispositivo de arte, com ideias e mensagens bem claras.
Ninguém está sendo chacoalhado ou perturbado. Não há escândalo nem provocação gritante. Esta mostra não quer vender nada, não há novidades do mundo inteiro, nem mensagens messiânicas baratas. Ela procura uma forma mais sensível de falar. Ela só quer uma coisa: mudar nosso pensamento.

Bibliografia
- The Guidebook,  catalogo 3/3 da dOCUMENTA(13). Editora HatjeCantz, Alemanha
- art- especial documenta 13, Gruner + Jahr AG&Co KG, Hamburg, Alemanha, 6/2012
Le Monde Diplomatique - Vitoria Daniela Bousso  sobre a documenta13
- Entrevista de Sigrid Brinkmann com Rabih Mroué, para o Deutschlandradio Kultur! Agosto2012
-  HannoRauterberg, “Lost in Kassel” DIE ZEIT, 6.6.2012 Nr. 24
- http://www.goethe.de/ins/pl/lp/kul/dup/bku/doc/deindex.htm Sylwia Kawalerowicz
- Goethe, Brasilien, Agosto2012, artigo: ”Annäherungen und Unterschiede: brasilianische Künstlerinnen auf der Documenta 13, de Fernando Oliva, curador e professor da Faap e da faculdade Santa Marcelina em São Paulo. Membro curador do festival Vídeo Brasil, entre outros.
- Art Kunstmagazin, Novembro 2012, “Perfecte wellness-kur für Kunstneurotiker” Bilanz von Christian Saehrendt
- http://www3.documenta.de/de/ site oficial da documenta13
- http://www.faz.net/aktuell/feuilleton/kunst/documenta-13/videorundgang-documenta-13-vom-gehirn-in-die-auen-11778766.html
- ttt-extra, do canal de televisão Alemã ARD do dia 10 de junho de 2012